Nada mais interessa II

As minhas palavras de ontem não são nada comparadas com as da própria pessoa, escritas no início deste ano. Partilho para que todos possamos reflectir bem sobre quais são os verdadeiros valores da vida.

Depois de muito hesitar, e entusiasmado com esta iniciativa que a Marine trouxe para doentes oncológicos, decidi responder que sim ao seu apelo e colaborar com o meu testemunho.

Prepara-te pois é uma situação longa, pois fui carequinha várias vezes, e neste momento continuo na luta da estabilidade que tanto desejo. Digo isto, porque falo de uma situação que se arrasta há bastante tempo.

Tudo começou em Agosto de 2005, de férias no Algarve com os amigos, assisti durante alguns dias ao inchar do testículo esquerdo. Terminadas as férias, fui ao Centro de saúde mais próximo e iniciei uma fase de luta. Rapidamente, disseram-me que teria de fazer uma cirurgia para que fosse retirado (para um jovem de 20 anos era o caos). Depois desta cirurgia, encaminharam-me logo para o IPO. Ele tinha chegado, estava incrédulo, era tudo novo para mim. Nesse ano seguinte, passei pela quimioterapia, radioterapia e uma nova cirurgia. Foi um ano longo, que me fez crescer imenso como pessoa. Cresci mais nesse ano do que nos 20 anos anteriores. Sou suspeito para falar, mas julgo que fiquei melhor pessoa, dei outro valor à vida, valorizei mais cada momento, valorizei muito mais a família e amigos, e percebi que nunca mais podemos ficar descansados … porque tudo muda de um dia para o outro. Como estava a mencionar, Junho de 2006, abriram-se as garrafas de champanhe, supostamente era uma pessoa limpa.

Durante 3 anos a minha vida voltaria a ser perfeitamente normal, fazia tudo de forma normal, era feliz. Mas em pleno IPO em mais uma consulta de rotina, em meados de 2009, o alarme voltou a apitar. Aquele filho da mãe, afinal voltou a bater-me à porta. O desânimo instalou-se. Mais um ano de sucessivas semanas de quimioterapia, radioterapia e mais uma cirurgia. Mas desta vez não podia desistir, os amigos mantinham-se melhor como nunca, a família continuou incansável, o meu Benfica jogava muito à bola, todos os dias o “Pai Natal” lembrava-se de mim, criei um blog como diário em que atingiu mais de 60000 visitas em 9 meses ( capaz de encher o estádio da luz), foi muito fácil lutar, fui levado ao colo por todos e de forma natural voltei a vencer. Estávamos em Novembro de 2010. Estava novamente limpo.

Mas meio ano depois (Maio 2011) o filho da mãe voltava a disparar na minha direcção. Depois disso mais radioterapia e quimioterapia. O pior mesmo foi em Maio do ano passado, em que tive uma insuficiência renal. Estive 15 dias internado. Com a minha tensão a 5/2, a minha família foi informada e preparada para o pior. Ao contrário de todas as expectativas, os valores melhoraram e recuperei. Neste momento estou a tentar recuperar o rim, para voltar à quimio se assim for necessário. Neste momento estou a poucos dias de voltar a consulta.

Mas neste momento quero deixar bem claro o seguinte, independentemente do dia de amanhã, eu hoje sou feliz, porque tenho um irmão inesgotável a meu lado, tenho uma família maravilhosa, e tenho seguramente os melhores amigos do Mundo. Sou feliz, porque tenho sido constantemente “levado ao colo” pelas pessoas que me rodeiam. Independentemente do dia de amanhã, hoje sou feliz, porque tudo começou em 2005 e por menos já ganhei 8 anos. Sou feliz, porque fintei os prognósticos de enfermeiros e médicos do ano passado. Sou feliz porque sou completamente mimado, são várias as surpresas que fui alvo nos últimos anos. De forma resumida, posso mencionar jantares surpresa com 60 pessoas, pude conversar com Ricardo Araujo Pereira que tanto idolatro, receber uma camisola autografada por todo o plantel do Benfica, com o meu nome. Também sou feliz, porque a cada dia que passa, conheço pessoas maravilhosas, que se não fosse esta adversidade nunca teria conhecido. Sou feliz porque recebo diariamente sms lindas. Sou feliz porque sou acarinhado por onde passo. Sou feliz porque sou um menino mimado. Mas sou feliz, porque já passei por 23 semanas de quimioterapia, 70 sessões de radioterapia, 3 círurgias, tive aquela insuficiência renal, fiz várias transfusões de sangue e tenho a sorte de ainda aqui estar para contar tudo.

Excedi-me nas palavras, mas não me consigo controlar quando começo a escrever.

Retirado daqui: Cancro com Humor.